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Mulher na cozinha profissional

DonaCast #010 – 16 de fevereiro, 2021

Lugar de mulher é na cozinha? Quando a gente fala de cozinha profissional a mulher é na realidade muito excluída!

Neste episódio, as donas Mariana Nacarato e Roberta Fabruzzi batem um papo delicioso com a cozinheira Gi Nacarato, que já passou por  cozinhas famosas como a do Dui, da chef Bel Coelho e o peruano La Mar em São Paulo. Também participou do reality Mestre do Sabor em 2020 na Rede Globo.

Mais sobre a Gi Nacarato: https://www.ginacarato.com.br/

www.odona.com.br

Transcrição:

Ro: Começando mais um DonaCast! Eu sou Roberta Fabruzzi e hoje a Jana não vai participar com a gente. Mas quem tá aqui comigo é a Dona Mariana Nacarato! Bem-vinda Mari!

Mari: Obrigada, Ro! Estou muito feliz de poder participar do podcast de hoje, para mim ele é super especial e ainda mais de fazer parte do time né, da Ô Dona. Eu acredito muito que espaços de conversas como esses são vitais para a gente crescer enquanto sociedade, enquanto mercado, repensar coisas que a gente geralmente faz ali no piloto automático e eu acho que a gente pode crescer muito conversando sobre esses tipos de tema.

Ro: É verdade, Mari! E a gente também tá muito feliz em ter você com a gente aqui! E no nosso podcast, a gente sempre aborda temas relacionados ao mundo corporativo,  trabalho e a mulher inserida nesse mercado. Mas tem uma área que a mulher sofre muito preconceito quando fala de profissionalização e muitas pessoas nem sabem disso – que a cozinha né, a gastronomia.

Mari: Sim, muita gente nem imagina isso, eu nunca imaginei isso né, mas quando a gente fala de cozinha profissional a mulher ainda tem pouquíssimo espaço. E para falar sobre esse tema para gente bater esse papo a gente tá recebendo hoje a minha irmã Giovana Nacarato. Ela nasceu em Ribeirão Preto, mas se mudou muito pequena para Caruaru, onde a gente morou a nossa vida inteira. Ela é formada em administração pela UFPE e depois foi para São Paulo e fez gastronomia na faculdade Alain Ducasse. Ela passou por cozinha renomados lá em São Paulo como o famoso japonês Kinoshita o Dui, da Bel Coelho, o restaurante La Mar, ela trabalhou uma temporada no Peru cozinhando no Malabar e Astrid y Gastón e passou também temporadas em Belém do Pará e Belo Horizonte no restaurante Trindade.

E para coroar essa lista gigantesca da Giovana ela também foi chefe de eventos durante três anos no restaurante Mocotó em São Paulo que é super famoso.

E ela também é curadora do festival Comida de Feira em Caruaru, Pernambuco e faz parte do Mesa Coletiva, que é um projeto super legal que reúne cozinheiros que apoiam comunidades em vulnerabilidade social, utilizando a gastronomia e as tradições pernambucanas como ferramentas transformadoras.

Esse ano ela participou do programa Mestre do Sabor na Rede Globo e atualmente ela presta consultoria de qualidade e inovação, melhoria de processos, implementação de novas tecnologias para restaurantes em todo o Brasil. É um currículo gigantesco. E além disso tudo é minha irmã e uma das minhas maiores inspirações. Que sorte a minha que a Giovana aqui hoje! Bem-vinda Giovana!

Gi: Obrigada Mari, sou suspeita, você que é a minha inspiração. Irmã mais velha goste ou não, carrega um pouco essa responsabilidade aí. Roberta, obrigada também, é um prazer enorme estar num podcast feito por mulheres e isso eu acho super importante. Mari: Tá, então assim, todo mundo conhece a Giovana por Gi, né, principalmente no Mestre do Sabor ela era Gi Nacarato. Mas eu enquanto irmã, conheço a Giovana por Jo, que vem de Giovana, quando ela nasceu eu não conseguia falar Giovana, falava Jovana, então ficou Jo e então aqui eu vou chamá-la da minha forma carinhosa que é Jo.

Então, Jó, a gente já teve muitas conversas sobre isso, a gente vive em uma sociedade em que a cozinha sempre foi colocada como o lugar da mulher, particularmente a gente, na prática da nossa família, a gente cresceu vendo nossa avó cozinhando, nossa mãe cozinhando…era o espaço ali delas. E muita gente nem imagina que quando a gente fala da profissão, a mulher tem que brigar muito por esse espaço né. Como é que tem sido a sua trajetória até aqui?

Gi: Esse é um ponto super importante porque realmente a mulher, ela gera o filho e logo amamenta, as que escolhem e podem né, amamentar. Então já é o primeiro contato, onde você alimenta o filho, você provém desse alimento. E isso vai se modificando quando você vai crescendo para cozinhar para a família. Algumas não gostam, aprendem na marra aí nesse processo, mas realmente quando ela se torna profissional no meio de restaurantes, como uma escolha e especialmente da palavra Chef, é muito o lado masculino. Isso já vem de algumas cozinhas das cortes reais, das questões assim, quanto mais ia crescendo a questão de cozinhar os banquetes dos reis, dos impérios, e também depois na questão dos restaurantes, vem desse berço mais francês, realmente a mulher não podia cozinhar. Mas a gente não pode esquecer de todas as mulheres, especialmente mulheres de uma classe mais pobre e das mulheres negras que sempre abandonavam o seu lar para cozinhar para as outras mulheres. Então a gente tem esses dois modelos. Então a mulher enquanto cozinhar na casa de outras mulheres, sempre mulheres, então a gente precisa fazer só esse paralelo para não esquecer de todas as que deixam de cuidar da sua casa do seu lar e vão cuidar do lar e da casa de outras mulheres. Mas que no processo onde a cozinha se transforma em arte, aí sim o protagonismo é masculino. E aí nesse protagonismo masculino é muito difícil mesmo a gente conseguir destaque, conseguir fazer algo e especialmente chegar hoje a gente tá conseguindo chegar mais mas o destaque ainda um pouco mais difícil, Acredito também que se a gente não mudar essa roda, do jeito que ela gira, a gente não consegue se transformar. Porque enquanto a gente tá acostumada a sempre ver o chefe ali brilhando enquanto o homem, a gente sem querer, esses signos e sinais vão ficando na nossa cabeça e que é assim. Então a representatividade – que hoje é uma palavra que ganhou destaque – mas a gente não pode eu acredito cansá-la no sentido que a gente cansou algumas a gente cansou um pouco da “gratidão” a gente cansou de algumas palavras, a “representatividade” eu espero muito que a gente não canse. Porque  a gente precisa ver  mulheres, negros e negras sendo destaque na cozinha. Porque assim as próprias mulheres e os próprios homens vão poder acreditar e saber e chancelar: “poxa funciona, é possível”. Porque a falta do conhecimento e da experiência gera um, assim como é que eu posso dizer, gera uma crença de que mulher não é histérica, ela não funciona quanto chef, ela não tem pulso forte, né, porque também só para finalizar essa pergunta é que cozinhar no restaurante é muito pesado. Então é muito quente, você fica horas em pé,  você pega muito peso, então esse protagonismo masculino também ele vem desse  cozinheiro braçal que vai pegar o peso que vai descascar quilos e quilos de cebola, que vai descascar quilos e quilos de batata. Então realmente é muito puxado, a gente vai –  estava comentando esses dias, tava numa cozinha fazendo jantar – de como a gente fisicamente é doente né, dói o pulso, dói ombro, dói a coluna, dói joelho… então um cozinheiro com seus 45 anos ele já tá todo remendado. É um outro assunto que a gente pode conversar um pouquinho para frente, mas por isso também que a gente vê poucas mulheres aí na cozinha profissional.

Mari: Jô, queria que você comentasse sobre quando você começou na cozinha. Você saiu de administração, foi fazer a faculdade, e caiu numa cozinha japonesa. Queria que você comentasse esse começo, para você como foi chegar nessa cozinha profissional e ver esse espaço de homens. Como foi? Eu caí de paraquedas na cozinha, na verdade eu estava procurando entender como funcionava o meio, queria abrir um negócio, tava me formando em administração e surgiu esse estágio. Eu caí mesmo, não sabia como funcionava não sabia nada, assim como se dividia – um ponto só para contextualizar quem assim como eu nunca entendeu um pouco sobre cozinha é que a organização de uma cozinha profissional ela vem do exército, então a gente é dividido como numa, a gente chama de “praças” cada estação de trabalho e a gente, para vocês entenderem quando “canta a comanda” que a gente fala para ler a comanda que vai sair para o cliente, a gente diz “marcha”,  “marcha o prato”. Exatamente dessa coisa bem militar mesmo da cozinha, as roupas, tudo faz sentido nesse quesito, e eu não sabia. Então realmente foi bem difícil, aprendi muito, aprendi a escutar mais e observar para depois fazer, e assim a cozinha japonesa eu vejo hoje como um presente na minha vida. Os japoneses, eu não vou falar todos os orientais porque são países completamente diferentes, então o modelo japonês, nele as relações tem muito do respeito pelo espaço de cada pessoa, tem um respeito pelos ingredientes de como a gente honra cada coisa que vem, é um país que passou muita fome, então cada grãozinho de arroz importa. Mas também carrega consigo muito machismo, então ser mulher em uma cozinha japonesa é também exatamente um desafio, falam muito dessa questão de uma temperatura de mãos e por isso que as japonesas não fazem sushi, mas a gente se sabe que isso é uma  crença né, criou-se isso para realmente tirar – até porque a cozinha, a parte do sushi é muito vista como uma arte, mesmo culinária e mulher não tinha essa possibilidade de estar presente. Têm algumas sushi woman, eu não sei bem como que se denomina isso,  mas tem a gente aqui em São Paulo até teve uma menina que foi chef do sushi no restaurante que não existe mais, mas a gente precisa desse momento.

Ser mulher numa cozinha é difícil, esse meu início teve algumas dificuldades até de entender como é que você pode ou não pode se portar, o que você fala e o que você não fala, não nessa cozinha específica mas em uma cozinha muito de produção onde tem muito homem, eu comparo muito com oficina mecânica, essas oficinas que a gente tem no imaginário também, porque já tem muitas aí que vem se modificando, que são homens que estão o tempo todo ali acostumados a falar várias coisas, então não medem muito as suas palavras e o ambiente termina sendo… hoje eu vejo um pouco tóxico e alguns muito mais. Então essa específica que eu passei, fui muito acolhida pela equipe, foi muito bom,  inclusive fui chamada para assumir uma praça com um mês e meio de trabalho. Um ponto positivo também é que as cozinhas de São Paulo são formadas por nordestinos,  então a gente termina se ajudando muito. Como Mari já falou sou nascida em Ribeirão Preto mas fui criada em Caruaru. Então me considero caruaruense, porque a gente enquanto indivíduo e cidadão do mundo nos conhecemos e nos entendemos enquanto Pernambucanas. E dessa forma a gente vê que realmente o ser humano precisa de outros seres humanos. E aí ser mulher é aprender muito a conviver, infelizmente, num ambiente muito tóxico e assediador, né. Existe hoje vários movimentos que têm crescido especialmente na cozinha, como a cozinha escondida normalmente, um ambiente muito mais fechado, tem-se uma sensação que naquele ambiente entre aspas tudo pode né, pode falar sobre tudo, se pode tratar sobre tudo, e usa-se muito tanto do poder enquanto o chef ali, aquela figura onde tem o poder em jogo mas onde também existe a questão do homem e da mulher. Mas a primeira é se o pontapé de ser uma cozinha japonesa foi para mim muito importante nessa questão do respeito pelos espaços, continuo hoje numa cozinha japonesa, eu acho que nunca vou deixar de flutuar aí nesses caminhos porque é muito bom trabalhar com pessoas que organizam que têm os seus ambientes assim, as relações melhores. Eu acho que a gente precisa conviver em lugares que sejam saudáveis para gente crescer não só como profissional mas muito mais como pessoa.

Ro: Achei legal isso que você falou também do sushi e da temperatura das mãos porque realmente isso está muito ligado ao ambiente profissional. Eu até me lembrei de outro dia em que a gente estava fazendo outro podcast sobre filmes e eu tinha falado do filme Julie e Julia, que conta um pouquinho a história da Julia Child e a história dela na Cordon Bleu que ela foi fazer um curso, mas na época, acho que eram anos 1950, ela só podia fazer o curso para cozinhar em casa e ela queria fazer o curso profissionalizante, ela teve que brigar para conseguir o certificado. E tem aquilo que você comentou um pouco antes, das mulheres que já trabalhavam em casa, principalmente as mulheres negras né, mas é engraçado como isso não é visto como profissional, até hoje é muito difícil para as mulheres que trabalham nas casas das pessoas terem seus direitos como empregadas domésticas, terem carteira assinada, como essa luta dura até hoje né.

Gi: Demais, Ro, assim… de forma alguma tirar toda a contribuição, e o trabalho, o mérito da Julia Child, ela revolucionou vários fatores tanto da cozinha quanto da sociedade em si, do contexto que ela tava incluída, isso merece muito ser louvado. O ponto das mulheres negras e das mulheres de baixa renda, eu não tô no lugar de fala mas tô aprendendo esses últimos anos, como o feminismo e o feminismo na sua origem mesmo, que fala muito sobre a igualdade, sobre a gente poder ter acesso e oportunidades,  entendendo que somos diferentes… acredito muito nisso, a gente se complementa porque somos diferentes, senão a gente não precisava uns dos outros também porque cada um ia ser um ser completo e aí tanto na cozinha quanto em outras áreas a gente não dependeria de outras pessoas.

Mas a gente, eu vou me colocar como mulher branca de uma classe média alta, durante a história a gente invisibilizou muito as mulheres negras e de classe baixa olhando só a nossa luta e nossas necessidades, porque enquanto algumas mulheres começaram a lutar pelo direito de se trabalhar fora de casa, elas já tinham mulheres que trabalhavam dentro da casa delas. Como a gente não olha para os lados mesmo, sei que em alguns casos existe sim o preconceito, mas em outros existe a total ignorância e sei lá, você nunca percebeu aquilo. Quantas pessoas passam pela gente e a gente não as vê, e trabalhando na cozinha eu inúmeras vezes nunca fui vista. Fui fazer vários eventos na casa de pessoas de classe altíssima de São Paulo e ninguém nem olhava no meu rosto, não sabia quem eu era, e não que eu seja alguém assim – sou alguém, sou Giovana sou cidadã. Mas enquanto você está ali como staff, como cozinheiro, ninguém olha. E se você está ali como chef todos os olhares são para você. Então realmente essa distinção é enorme, por isso que quando eu comecei e a minha luta de não colocar chef de cozinha,  especialmente porque hoje não tem uma cozinha da qual eu chefio, é nesse sentido. Quando eu falei uma vez para uma das minhas amigas aqui de Caruaru que eu era cozinheira ela falou, “Não! Não coloca. Não fala cozinheira, você não é doméstica, você não é empregada. Você é chef”. Como se isso fosse fazer menos de mim.

Ro: Te diminuir… é.

Gi: Então eu faço um teste algumas vezes que quando eu vou fazer uma consulta médica e alguém pergunta nome, endereço, profissão… eu digo “chefe de cozinha”,  “aí menina que maravilhoso, aí eu adoro cozinhar… depois me passa uma receita daquilo… a que maravilha onde você cozinha/” aí aquilo vira um assunto. E quando eu faço o mesmo processo e me pergunta a profissão eu falo “cozinheira” é um olhar de dó, e uma surpresa que a pessoa não sabe como lidar. Porque a gente nesse processo dessa busca por protagonismo, a gente ainda vem de uma geração onde dá a entender que a gente tem poucas profissões a nossa escolha como medicina, direito e enfim… Qualquer outra coisa que saia disso ela é um sub-emprego é uma sub-profissão. A gente precisa tanto dos garis quando a gente precisa dos médicos, quando a gente precisa…

E essa humanização, e eu acho horrível a gente tem que usar a palavra humanização para nós que somos humanos, mas a humanização ela precisa acontecer como vem acontecendo na na medicina, ela precisa acontecer em todas as outras. E aí esse isso que você falou, a Julia fez um trabalho maravilhoso mas qual o trabalho que a gente tem que fazer hoje? Que é realmente seguir olhando e eu tento fazer isso nas minhas ações. Então eu chamo uma pessoa para me ajudar a fazer uma limpeza a cada uma vez por semana, poxa minimamente você dá o alimento, você pagar a passagem, você respeitar porque os relatos que eu escuto infelizmente, tanto dela quanto de outras é “eu não posso comer nada da casa, às vezes eu passo o dia com biscoito que eu trago” e “ficam desconfiando o tempo todo se eu tô roubando alguma coisa”, “se eu usei um sabonete tem que jogar fora”… enfim, é meio complexo e aí eu tô chamando atenção disso porque isso é muito da gente não ter olhado para essas mulheres que já deixavam suas casas para trabalhar fora, que deixam seus filhos para cuidar dos nossos filhos. E aí como que a gente pode ter uma relação mas até profissional porque eu acho que tudo isso acontece porque no ambiente doméstico tudo meio que se confunde e aí quanto essa profissão de cozinheira, ela precisa realmente ser revista e especialmente para as mulheres. Porque o mínimo esforço que um homem faz em casa e cozinha, sei lá um espaguete com molho de tomate pronto a mãe já chama ele de rei e acha que ele tá sendo incrível, e aí a menina faz a mesma coisa, mas ela tá só fazendo o papel dela.

E aí vai ficar aí o nosso desafio, Mari já aí com uma nova geração no ventre e se Deus quiser daqui um tempo eu com os meus, então como termos filhos que a gente ensina isso, a olhar para o outro. Porque no final das contas por mais que a gente fale para mim sobre mulher, sobre homem, sobre olhar para o outro, então se a gente vê o ser humano para mim é o mais feminista, mais revolucionário que a gente pode ser hoje.

Ro: Sim, mas isso é uma herança de uma cultura escravagistas que a gente tem de ser servido e não ver a pessoa.

Gi: Total e a gente aqui em Pernambuco, eu acho que a gente ainda sofre muito mais. Eu acho que em São Paulo tem tanta a questão de tudo que a gente viveu desse modelo Colonial que tinha escravos e com forte apelo do “tudo pelo mercado”,  “tudo pelo dinheiro” e quanto mais você pode lucrar em cima e menos pagar enfim… essa famosa lei do mercado, a mão invisível, que eu estudei muito e administração, mas a gente aqui em Pernambuco ainda tem uma cultura também muito forte porque a gente tá muito próximo de várias famílias que eram do nosso Brasil Colônia, dono de todos esses engenhos de açúcar, de cana-de-açúcar. Então são famílias que estão liderando não só a política, o mercado, as relações desde desde quando o Brasil foi descoberto que vieram e foram ficando.

Eu tô tendo muito cuidado de falar isso porque talvez muitas pessoas que vão escutar esse podcast elas não sejam do Nordeste e existe uma um total desconhecimento do que é Nordeste, isso é uma pena enorme porque as pessoas conhecem aí a Grécia,  conhecem outros países, falam de Nova York como o quintal de suas casas e não conhecem o seu próprio país. A gente não conhece nosso país. Assim o Nordeste não é uma região de pobres coitados. Eu e Mariana, a gente morou muito tempo em São Paulo e a pior coisa, que mais dói é a pessoa olhar para você… Mariana é super branca,  loira, e aí a pessoa “mas você é diferente”, então o que é de ser diferente? Eu acho que é o pior pior preconceito que você sofre. Mais xenofóbico que isso é difícil.

Mari: A gente conversava muito sobre isso, várias vezes passava por isso e chegava em casa e falava assim… a vontade de sabe.. sabe? “Como assim, o que você quer dizer com isso? Qual é a imagem que você tem de uma pernambucana, de uma nordestina?” Porque o que é ser diferente? Eu lembro que ativa em mim uma memória emocional muito forte porque não é fácil, do mesmo jeito como muitas vezes é ser mulher em vários ambientes né? Em várias condições, tanto no trabalho quanto na família…

Gi: E neste sentido a gente carrega isso do me sirva e tenho que ser servido, porque, poxa, uma família que vem há anos com pessoas dedicando as suas vidas para servi-lás. Então eu eu sempre falo isso tanto quanto eu dou algumas aulas, quanto em alguns jantares onde surge esse assunto, porque quando você vai para França e você é servido existem pessoas que servem como escolha da profissão. Ser garçom termina sendo uma escolha de vida, e mesmo quem está ali, tem uma outra carreira e que tá fazendo esse serviço ali mas ela sabe o valor que ela tem.

Então é imposto para você assim, o seu lugar de cliente e o meu lugar, então não tem essa de “eiii psiu “.  A pessoa fala assim “calma, eu tô indo lhe servir” ela sabe o tempo né, existe uma profissionalização, uma consciência de tempo e de serviço que lhe impõe o respeito. A gente aqui não tem isso, a pessoa tem que mudar o prato, “aí eu não como desse prato aqui que vem com purê de batata eu não quero batata, eu quero macaxeira. Esse que vem aqui com molho de rapadura eu não quero, eu quero desse outro aqui.” Muda o prato completamente e ela tem direito porque “eu tô pagando, eu tenho direito”,  existe essa crença de algumas pessoas e assim o garçom praticamente é seu serviçal naquele momento, o seu escravo, e isso não acontece lá fora. E aí tem gente fala assim,  alguns se surpreendem quando vão para fora e às vezes falam assim “não, mas o francês ele é muito rude, ele não sabe servir, ele serve e quer ser melhor que você” falei,  não ele só quer ser igual. Como você tá acostumado no degrau muito diferente, muito,  você é pego de surpresa, tipo assim, não esse sou igual me respeita, isso para você, calma… porque quando a gente se depara com os nossos próprios erros né, com a nossa própria…  Eu sou assim, quando eu sei lá, eu em algum momento eu sou racista e eu me deparo com isso dói né? É difícil a gente se ver como algo ruim. E aí você dá aquele choque naquele momento, acho que a pessoa leva esse choque e acha que é o outro, e aponta o dedo para o outro.

Então assim, a gente não sabe ser servido. A gente quer tá mandando em todo mundo. Então aqui eu sinto muito forte Recife ainda mais porque essas famílias estão mais aqui do que até no interior, mas a gente ainda sofre mais. São Paulo tem um dos melhores serviços no Brasil, nessa questão de serviço que eu digo é no atendimento e em todo esse… tem pessoas que são mais qualificadas no sentido de servir. E é muito difícil porque você não sabe lidar, não sei se você já passaram por isso mas às vezes eu tô conversando com uma pessoa ou eu falei inglês com a pessoa, ou ela sabe minha história, meu meu currículo… e eu vou limpar a mesa dela e ela “não, pelo amor de Deus não leve não esse meu papel sujo”, como se assim, eu não posso tirar o papel sujo mas uma outra pessoa pode. Então a gente precisa remodelar nossa mente para poder entender que esses processos são desconstruções e construções de nós mesmos o tempo inteiro, e a cozinha é a melhor escola, porque você vai estar do lado de pessoas de todas as classes sociais o tempo todo, dependendo de todas, fazendo um trabalho em conjunto.

Uma cozinha sem panela limpa não funciona, então a mesma coisa que a gente não vê o gari mas ali do lado você tá vendo pia, então se você coloca uma panela quente, eu sempre me preocupei em avisar se tem uma lâmina, avisar, não jogar… Tem cozinhas que são extremamente agressivas, jogam panelas quentes, existem muitos casos, especialmente na Espanha, França… de esquentar colher e queimar o cozinheiro que fez alguma coisa errada, é muito difícil falar sobre isso, as pessoas não querem falar sobre isso, mas é porque existe a cultura de que “eu aprendi assim, então tem que ser assim”.

“É difícil mas eu aprendi assim”.

Mari: Muitas vezes se justificando né, “sou do jeito que sou porque foi desse jeito que eu aprendi”.

Gi: Eu fui muito assim durante muitos anos e durante, eu acho que os últimos quatro anos, é que eu consegui – tô conseguindo dar uma virada nisso.

Mari: É tem um filme que se chama Whiplash, eu não sei se vocês já assistiram, mas que traz isso né. Esse filme é meio polêmico sobre algumas coisas, mas ele traz exatamente isso, você precisa apanhar para florescer, e aí são muitas coisas… mas você falou uma coisa que eu acho que é engraçado porque eu tô morando na Suíça e aqui os restaurantes e os bares, é muito enxuto. Então é diferente do Brasil que você vai no restaurante e tem um monte de garçons. Tem uma pessoa no caixa, não sei quantas pessoas na cozinha. E tem restaurantes aqui que são duas pessoas. Uma que tá ali na cozinha e outra que tá no caixa, tá servindo e eventualmente tá na cozinha também. 

Isso foi o que primeiro me chamou a atenção, porque a gente está tão acostumada em ter o garçom, ter o maitre e ter esses cargos, e aqui é todo mundo meio que se ajudando e fazendo né, funcionando. Sem contar que eu chego no restaurante no Brasil e eu percebo muito isso “tô pagando, eu tenho esse direito e você vai me servir” e aqui não, eu termino, eu pego minhas coisas e eu coloco no lugar onde as coisas que ficam sujas tem que ir. Muitos restaurantes são assim. E hoje a gente chegou no restaurante para tomar café da manhã e aqui existe uma ordem de como você deve pedir as coisas, então veio a pessoa e fala assim “podemos começar com café…” e eu já tava morrendo de fome e já queria pedir a comida, aí eu falei “não, eu já quero pedir o prato principal” e não, agora é o café, aí ele foi e trouxe o café, depois ele veio vamos para as bebidas… e depois é que ele traz a comida. E é o que é, porque se eu pedir antes, pedir primeiro a sobremesa…  vai bagunçar o serviço e eu tô tô na casa de outra pessoa e ela tem um protocolo de serviço. Isso é uma das coisas que logo que eu cheguei eu achava muito diferente e hoje eu entendo que para ter um serviço do jeito que é, e eu não tô falando de um restaurante chique nem nada, restaurante do dia a dia que você vai ali para comer alguma coisa… e é super interessante esse olhar. E muitas coisas como você tava falando, o negócio de chef… eu lembro quando eu a Giovana fez gastronomia e tava trabalhando e eu falava “mas você é chef”, “minha irmã é chef”, e aí ela sempre corrigia: chef é um cargo eu sou cozinheira, e no começo eu ficava meio inconformada, eu não vou falar para as pessoas que você é cozinheira. Igual a amiga dela falou como se isso fosse uma coisa menor, uma cozinheira, como assim a minha irmã é uma cozinheira? E a gente começou a conversar sobre isso e ela me explicar o que tava acontecendo, e a partir daí que eu pude entender e conhecer um universo que para mim era completamente diferente, ainda é em muitas coisas mas eu já conheço um pouquinho pela convivência dela, mas eu queria fazer um paralelo, porque muitas vezes a gente acaba tendo ações fazendo as coisas muito no automático a gente não reflete, a gente não pensa, a gente não olha para o outro. É isso que a Giovana falou não é de uma maneira super maravilhosa – a gente não olha para a pessoa que está ao lado, a gente não sabe o que tá acontecendo. E até no começo do podcast eu falei que a gente precisa de espaços como esses para falar, refletir sobre o assunto.

E aí eu queria Giovana que você falasse um pouquinho da cozinha hoje: como você vê,  como é que as mulheres que trabalham hoje… você tem essa consciência, você passou por várias coisas, mas como é que essas mulheres percebem e se elas acabam replicando esse preconceito da mulher. Como é que você vê isso acontecer?

Gi: Hoje tá bem melhor, eu acho que tá bem melhor porque vem mulheres diferentes escutando como esse podcast, como fazendo do leituras… e a gente tá no momento  de mais reflexões sobre quem somos e tudo, mas a estrutura ainda não modificou porque as pessoas que estão ainda são pessoas de uma modelo um pouco anterior, de uma geração – se eu posso chamar assim- anterior.

Eu fui fazer um jantar mês passado e foi a primeira vez, Eu conversei até isso com a Mari, assim… é um trabalho meu, muita terapia, muita reflexão… Eu entrei na cozinha e eu estava sendo convidada e um outro chef também era convidado, e ela olhou para mim e falou assim “que horas o chefe chega?” e aí naquele momento eu consegui pela primeira vez falar assim: “você tá perguntando de mim ou do outro?” Aí ela parou assim ela “não, o outro…” e eu: “o outro daqui a pouco chega, mas eu cheguei um pouco mais cedo”.

E eu entendo, antes eu ia… sei lá, até uns oito meses atrás eu ia ter ficado com muito ódio dela – da própria menina – mas hoje eu entendo que ela não tem aquilo que eu falei no começo que é a representatividade. Cozinha de hotel é muito homem, realmente… todos os chefes executivos, chefes de cozinha, é realmente difícil ver mulheres como chefes executivos de hotel, já tivemos algumas, mas normalmente são homens ou a estrutura normalmente é de homem. Então ela também não consegue entender que vai ter um chef, uma chef mulher entendeu? Nunca teve. Como ela vai lidar com isso? Vêm meninas aí que se ajudam mais, a minha a minha geração ainda tem uma competitividade entre as meninas muito grande, porque é como se fosse assim, “só vai ter uma e quem é que vai estar?” E aí é bem difícil essa competitividade nossa, é uma coisa que a gente vai ter que resolver, eu sei que tem muito do machismo aí, tem várias questões que corroboram para essa nossa competitividade como um todo entre as meninas, com seus parceiros e suas parceiras, enfim toda essa cadeia ela tem essa competitividade, mas a gente vem melhorando – de realmente dar as mãos e se ajudar.

E tem um ponto também que é que eu acho que vem dessa mudança, é que elas também… ao mesmo tempo que a gente vem mudando muito os meninos, alguns não estão mudando. Porque o que eu escutei na minha geração? Eu escutei sempre que podia ser o que eu quisesse, fazer o que eu quisesse, vim de uma classe que a gente termina não – entre aspas – tendo que fazer muitos trabalhos domésticos, mas os meninos também não. Então eu me preocupo muito com essa geração de reis e rainhas que vão se deparar em casar, e o que é que vai ser da casa? 

O menino esperando que a menina faça tudo porque ele só vem só vê mágica acontecendo, a cueca entra suja no cesto de roupa e depois de dois dias ela tá limpinha,  cheirosa e dobrada na sua gaveta de cueca. Como isso aconteceu, não se sabe…

Essa essa coisa maravilhosa dessa mágica. E a menina também nunca fez nada. Comprou qualquer roupa com 50000 lantejoulas, como se lava isso? Gente não tenha uma roupa dessas, porque o trabalho que dá para lavar… né? A gente já sabe que não tem condições. Ainda em Caruaru que a gente não tem água, roupa branca que a roupa fica preta maravilhosa.. não tem…

E esse se deparar com realidade, também a gente se depara com a realidade no mercado de trabalho, então as mulheres infelizmente assim, elas ainda têm que ser muito fortes, têm que ser muito mais resistentes, a gente tem que ser muito mais… chorar e voltar, chorar e voltar. Inúmeras vezes retornei para casa chorando sozinha e chorava,  chorava muito. É difícil dividir, são coisas que você não consegue dividir, todos os assédios, a gente escutando um outro podcast sobre assédio moral e sexual eu fui fazendo uma viagem, eu e Carlos que é meu esposo – a gente fazendo a viagem e eu adoro dirigir, eu chorei 1 hora e 20. Eu fui chorando cada vez que eu entendia um conceito. O que é um assédio? Ele se dá por isso, ele acontece assim… eu acho que toda mulher já passou por isso.

Vai passando um filme na tua cabeça de todas as vezes que você passou por aquilo. E aí eu tô agora no novo processo de olhar com mais empatia tanto comigo, porque me culpei muito de… “você permitiu” ou “você não forçou isso?”, “você não se insinuou?”, a gente tem esse momento de se culpar, e aí você também tem um momento do ódio pelo cara que fez aquilo.

Então por alguns eu já consegui dissolver muito, porque também entendo que eles são parte também – porque eu acho que o machismo ele faz mal para as mulheres e para os homens, os homens sofrem muito, muita masculinidade tóxica, não pode sentir nada, tem que enfrentar coisas… enfim que aí é um problema que eles vão ter que resolver também… A gente não pode resolver o mundo inteiro, mas eu passei muito tempo com muito ódio de vários homens, de vários desses cozinheiros e chefs dos quais eu passei –  de entender o que era.

Mari:  E às vezes nem só homens, né Jo?

Gi: Homens e mulheres. Tem muitas mulheres. E é difícil, todos temos teto de vidro, a gente tem que ter muito cuidado nessa desconstrução e construção, continuo aí firme por isso que eu falo, eu fico me olhando e me observando porque a gente tá sempre errando. A gente mais erra do que acerta, pelo menos eu – não posso falar pelos outros, eu mais erro do que acerto e eu tento ser a diferença. Os outros vão ser? Alguns são, né Mari… essa pergunta que você fez, só para fechar, alguns são… algumas são diferentes, entram diferentes na cozinha. Agora a cozinha é um lugar difícil, é quente… trabalha muito em pé, vai pegar muito peso. Então assim o próprio ambiente é meio insalubre, e aí a relação ela muitas vezes precisa ser firme, não é ser grosso, mas como a gente pode ser diferente,  primeiro respeitar o ser humano. Você não pode tudo, você não pode aquecer uma colher e colocar nas costas do outro, isso é mais do que no momento da escravidão que a gente teve. Então eu tento muito isso não nas minhas atitudes, tem gente que não dá bom dia,  enfim… isso já começa.

Mas é difícil, uma menina uma vez chegou chorando para mim que queria conversar porque você é uma mulher na cozinha muito difícil. Aí eu falei para ela  “ser mulher no mundo é difícil, se for assim não sairia de casa”, então a gente vai enfrentar tudo isso. Desde quando vai pegar um ônibus e pegar o metrô… Enfim, então a gente tem que fazer a diferença e a gente tem que estar se ajudando. O que eu posso dizer hoje é: ajude,  ajude as meninas que estão ao seu redor, faça diferente porque é um caminho longo ainda, não acho que tá resolvido não, mas já melhorou.

Mari: E em alguns pontos é até meio romantizado né? Você fala chef, “ai, sou chef de cozinha” e você vê aquela pessoa que tá lá finalizando o prato. Virou um mercado muito… hoje tem meninas que falam, “ai quando eu crescer eu quero ser chef”, não veem esse trabalho, acho que não só na cozinha, mas em qualquer profissão a gente vê esses destaques né? Em marketing “nossa, eu quero ser o Roberto Justus”, quantas vezes eu já ouvi isso… 

Gi: Isso é a realidade, e o que acontece na cozinha e o filme Whiplash faz muito sentido,  porque as diversas profissões em que existe alta performance, aí isso pode ser para qualquer uma, isso é um lugar em que aí sim a gente vê o bicho pegando.

Eu trabalhei muito em alta gastronomia e alta gastronomia é alta performance e tem um lado muito ruim porque eu acho, eu acredito, não sei se você já entrevistaram psicólogas mas você pode levar isso talvez… existe eu acho que um perfil de pessoas que gostam disso. E esse é o limite, a linha tênue da doença e do trabalho porque alta performance ela requer um nível de entrega que ela adoece. Para onde a gente tá chegando hoje ela adoece tanto mental, fisicamente quanto emocionalmente. A gente entra num modelo que aí a gente entra aí nos músicos, nos músculos de orquestra e de um nível ultra ultra mega, a gente entra nos esportistas que com 30 anos têm que se aposentar por que o corpo já foi.  É isso que acontece com cozinheiros de alta gastronomia, de alta performance. Não existe – é uma busca por uma perfeição que na teoria a gente sabe que não existe, mas na prática a gente não acredita. 

E aí o que é que vai? Vai a sua saúde… eu vou começar a chorar – vai a sua saúde, vai a sua família, vai…

 Desculpa, vai tudo o que vale a pena. Enquanto você tá na entrega, a gente não vê o que perde. Você não vê o que você perde, mas algumas pessoas despertam, eu despertei, quase não dava tempo mas eu consegui despertar a tempo e o que acontece,  chegou um tempo para mim foi um marco, que eu ganhei de um estagiário um quadro, eu ganhei de uma moça que tinha uma horta orgânica, eu ganhei uma planta – um pé de coentro, e eu ganhei de outro estagiário um pote de doce. Aí eu tava trabalhando, eu estava em uma época que eu dormia 4 horas por dia e eu tava 15 dias sem folga, e aí eu parei assim, olhei e eu não tinha uma parede para pendurar o quadro, eu não tenho uma geladeira para colocar o doce e eu não tinha onde cuidar dessa planta. Mas o Instagram não era o que é hoje, mas assim avisa instagramável era maravilhosa, né? Ia trabalhar na Europa, tava cozinhando com os maiores chefs de cozinha, com os melhores produtos,  mas a minha vida não existia. Não tinha saúde, minha coluna já tinha ido embora, minha irmã tinha ido embora de São Paulo e eu estava sozinha dormindo de favor na casa de uma amiga – que não ganha dinheiro, né? 

E quando você ganha muito dinheiro em outra profissão, que normalmente essas assim…  só se você for um jogador do Barcelona. Essa é a entrega que se pede. Mas você não tem vida, você não tá feliz. Eu era workaholic e as pessoas falam isso como se fosse bom mas é bom só se você só fala, porque se você é, é doentio. Você não namora,  você não beija na boca, você não consegue comer nos outros restaurantes porque você tá trabalhando. Então esse é o nível da entrega, por isso que esse filme pode ser tudo que for polêmico, mas é a realidade. Ah, é muito violento, ele manda o cara tocar até a mão dele sair sangue: é a realidade.

Eu li um texto que fala assim: seja apaixonada pelo processo. Então se você quer ser músico, você não pode pensar naquele momento do show, sabe? do Rock in Rio, do Fred Mercury que é um milhão de pessoas cantando sua música. Porque todo dia é treino. É ficar tocando para ninguém, ficar 8 horas por dia tocando, tocando, tocando… se você não gostar desse dia a dia não vai ser música porque vai ser uma droga tua vida você vai passar sei lá 8 meses sozinho tocando com a sua banda lá e um dia de entrega para o show. É a mesma coisa da cozinha, então se você ficar pensando que você vai ficar colocando florzinha na hora de serviço com a dolma linda, branca, são pouquíssimos dias que vai ter isso para todos os outros dia com pé doendo, suando, enfim, agora de máscara então que a gente tem que cozinhar de máscara naquela cozinha quente.

Então é isso, eu acho que é se apaixonar pelo processo, igual marketing – você vai ter uma ideia brilhante, uma campanha que vai ganhar aí talvez esse… tem aí das agências que eu nem sei o nome – tipo Oscar – é uma vez, o resto, o que paga o salário é a campanha sei lá, da lâmpada que acende fluorescente. Sabe? O cliente que brega, que você vai trabalhar com produto que não é aquilo que você talvez sonhe. Mas é ser apaixonado pelo processo, e a cozinha tem isso.

Eu cansei um pouco dessa luta de dizer que não é a realidade, acho que hoje quando a pessoa me diz eu falo assim, faça um teste numa cozinha. Pede para trabalhar um final de semana. Ah mas final de semana? É final de semana que você vai trabalhar mais que  tudo da sua vida, você não vai ter final de semana. Então é começar treinando, testando…  e errar muito. Igual falei mas erra que acerta. Na cozinha também.

Nem todo o prato sai bom, nem todo serviço é bom, nem todo cliente vai achar sua comida maravilhosa… e lidar com a frustração para no outro dia levantar e tentar fazer tudo de novo.

Ro: Sim, e muito dessa glamourização também da cozinha, talvez venha um pouco hoje desses programas, inclusive você participou do Mestre do Sabor da Globo e daí eu queria saber como que foi essa experiência, mesmo em relação a ser mulher, se teve diferença,  e se você acha que esses programas ajudam público a ter uma percepção diferente tanto Mestre do Sabor quanto o Masterchef que também faz muito sucesso – da mulher na cozinha. Se você acha que isso contribui para uma visão nova.

Gi: Eu sempre disse “nunca vou participar do programa” e eu tenho um novo lema que é que quando você cospe para cima não cai na testa, cai dentro da boca aberta de novo. Acho que é o cuspe de uma outra pessoa, porque não é só a gente se deparar com os nossos “eu nuncas”.

O Mestre do Sabor apareceu como uma indicação, fui indicada por dois chefes e falei o tempo todo que eu não ia. Não ia, não ia, não ia, não ia, não ia… até que eu tinha que mandar uma pré-inscrição até sei lá 11 horas da noite eu mandei umas 10h40 ou 10h50 eu mandei… e foi seguindo, tava também num momento meio desacreditada do que é que ia ser, tava há quase, já tinha feito um ano e um pouquinho da minha última grande crise de hérnia de disco e nesse processo né… não tinha um restaurante e ficou no “por que não?”, “o quê que demais pode acontecer se você for, né?” 

Sempre critiquei muito, criticava muito várias coisas. Topei ir para o Mestre do Sabor porque é um modelo que visa não fomentar essa agressividade dos chefes. Não tenho mais contrato com nada, já passou e posso falar o que eu quiser sobre o programa. Mas o Masterchef não, ele tem esse perfil, cada chef ali tem a personalidade que tem que fazer, e faz muito mal a gente falar que a comida do outro é uma porcaria, a gente tá falando do trabalho, está falando da vida. Eu tenho 9 anos, eu vivo disso e foi a coisa que eu mais me preocupei: eu vivo disso. Se isso me queimar de alguma forma tanto psicologicamente quanto de imagem, ali acabou, né? E eu fui achando que não ia ser selecionada, e fui ficando, e fui ficando…

Como a prova dos pratos é às cegas não dá para saber de quem é o prato, a gente  acredita que dá para perceber o estilo da pessoa pelo prato provavelmente, mas assim,  acreditei no programa de que realmente era uma coisa escondida ali e era realmente pelo sabor. Em um momento eu senti, sim, um ponto. Eu fui salva duas vezes pelo Rafa, não sei qual foi o critério dele, a gente não conversa com os chefes, a gente não troca nada, e eu escutei de duas pessoas, dois homens, que tinha alguma coisa. E no dia do programa, nos comentários do que eu fui salva da segunda vez, tinha comentários de “ah, ela  deve estar dormindo com ele”, né… isso é interessante porque se ele tivesse salvo dois homens, normalmente a gente disse que é mérito ou que foi injusto e devia ter salvo outra pessoa. Mas a mulher vai só para o lado da sua honra e dignidade, da moral e do sexo,  né? A nossa troca única possível é sexo, a gente não tem coisa para trocar, a gente só troca por sexo. E aí nesse dia eu li e eu fiquei “nossa, olha o que ele falou…”,  e aí eu tava deitada com Carlos aí ele falou: “e se tivesse transado, qual era o problema desse povo?” E aí naquele momento eu falei, realmente não tem nada.

Porque existe isso muito forte na cozinha – o chef, ele sai com várias mulheres, seja ele casado ou não – alguns, não todos obviamente. Mas isso é uma das bandeiras que foi levantada muito, que não está mais entre nós mas assim, tirando uma grande parte do que ele fez eu gostava muito dele, mas eu faço uma crítica como eu fiz a Julia Child eu faço uma crítica a ele, Anthony Bourdain e ele que levantou muito essa bandeira, ele ficou famoso por isso, que é o chef é bad boy, ele usa drogas, ele é tatuado, ele é descolado e ele come geral.

Ro: É o rockstar.

Gi: É o rockstar.

Mari: É o piloto também. É um negócio…

Gi: É o piloto de avião…mas ele vem do rock mesmo, desta imagem do poderoso, do piloto de estar comandando tudo, todo mundo na minha mão. Mas a mulher, a mulher chef não pode, e é por isso que eu digo, a gente só tem essa moeda de troca, né? Cara, e daí né? Hoje eu olho para trás e meu Deus, é tão difícil, né…

Mas esse formato que vem numa leve transformação é o que faz a gente olhar para isso e falar “pera, tem alguma coisa errada” então aconteceu com uma das pessoas lá, não teve uma pessoa machista tudo lá mas ouvi um comentário que depois eu tive oportunidade de conversar com essa pessoa, na verdade essa pessoa me veio e pediu desculpa, na época assim pediu… e eu entendo que aí junta várias coisas: porque junta a frustração de não ter sido escolhido, junta a frustração de ter saído e você precisa atacar alguém. Sabe quando a gente se sente acuada e você ataca? E aí onde toda essa nossa malha de preconceitos e de crenças que estão aí e infelizmente a gente é atacada especialmente nesse lado sexual. E é hoje a forma que eu tento trabalhar e dizer “e daí?” que não seja só da boca para fora, mas que a gente não fique remoendo esse sentimento de ficar se sentindo mal e de chorar em casa, e de se sentir mal de tudo.

Mas no programa em si eu não senti. Eu sinto mesmo que a gente não atinge, não tem atingido, mas a gente tem chegado mais, a gente tem cada vez mais mulheres brilhantes e a gente tem um ponto que é engravidar. 

Eu tenho lido algumas mulheres que falam assim, que o filho é da sociedade. A gente  gera um filho que vai perpetuar a nossa espécie, então a gente carrega essa missão de perpetuar a espécie, de continuar fazendo a gente existir e ele não é só da mulher, ele também é do marido, né, do pai da criança… ele é daquele meio social. E se a gente visse que a criança não é da mulher – porque para a gente, a gente só olha o filho da mulher. Os relatos que eu escuto é que se a mãe sai de casa sem o filho é “cadê o bebê?” E se o pai sai de casa se o filho, tá tudo bem! É como se a mãe dissesse “deixei ele lá sozinho, ficou lá”, então assim – existe essa cobrança porque o filho é só da mulher. Então quando a gente faz esses hiatos na carreira, de poder ficar um pouco com filho ou chega um ponto de alguma coisa que você não pode, enfim, que realmente dá uma quebra e você não consegue dar essa entrega. Fora que se a gente der essa entrega

à mais, a gente é mal vista. É a mulher que não cuida da casa, que não tá aí para família…

E aí como é que você lida com isso? Por isso que eu sou muito a favor de que a gente se relacione com pessoas que façam sentido, que compactuam das suas crenças, que você possa ser quem você é. Porque essa coisa de que vai casar aí com pessoas que a gente sabe que tem casamentos em que as mulheres terminam se submetendo a muitas coisas e se mudando, porque ela não pode…”agora eu sou uma mulher casada logo não posso usar uma saia curta ou sair sozinha com as minhas amigas”. Eu me casei com um homem, eu não sou a mãe desse homem. Eu prezo muito pela minha liberdade, eu sou uma pessoa que gosta de viajar, de fazer minhas coisas… e escolhi ele para estar ao meu lado para compartilhar todos esses momentos, fazer carinho, a gente se ama muito. Mas a gente se ama tanto que a gente quer que o outro cresça, quer que o outro vença e conquiste suas coisas. Então eu saio de casa e não tô preocupada com o almoço de Carlos. Tem gente que morre quando sabe disso, “como assim você não deixou o almoço?” Ele tem 30 anos, é uma pessoa… lógico se eu faço, com meu amor vou fazer,  vou cozinhar em casa para ele, vou deixar coisa para ele como carinho, como ele faz comigo. Mas eu não sou a mãe dele, ele cuida da casa porque a casa é também é dele,  lava prato, banheiro, e varre chão e tudo. Porque nós dividimos e compartilhamos uma vida. Então essas relações, a minha relação não é para ser a relação dos outros, cada um vai ter a sua, mas o que eu quero dizer com isso é que a gente tem que trazer essa forma de viver para tudo – tanto para dentro da sua casa, para o meio que você trabalha,  para suas relações, porque senão não faz sentido para mim assim, a gente precisa ser…

E é difícil, tipo “você deixou ela ir cozinhar com outro chef numa praia?” Como assim, deixou ela ir cozinhar? Então para mim nunca faz sentido eu sempre fui uma pessoa meio assim, e hoje eu entendo que é só porque, poxa somos seres humanos aí, cada um precisa cuidar de si e a gente precisa um do outro, então é isso que eu quero falar: o filho não é só da mulher, o filho é do casal, é da sociedade. 

Então essas redes de apoio precisam existir porque o filho é da comunidade, e aí isso faz com que a mulher possa fazer outras coisas enquanto mãe, enquanto tá nesse momento. A gente dá esse hiato, mas se a gente tem uma rede de apoio para você poder continuar ali, então no nosso Mestre dp Sabor tinha uma moça que ela tava lactante, ela estava dando de mamar e ali virou uma chave de “é possível”, porque é possível você ser bem-sucedido – eu falo muito isso também, sucesso é particular, o que é sucesso para você?

Então a escolha para mim do Mestre do Sabor foi importantíssimo, porque ele me fez virar chaves para mim mesma. Foi muito importante enquanto Giovana profissional comigo mesma e Giovana pessoal comigo mesma.

 Lógico eu tive uma visibilidade, tenho vários seguidores no Instagram, tem várias coisas que foram muito boas, hoje sou conhecida pela minha cozinha mas ele me transformou,  me trouxe mais segurança de acreditar mais em mim, porque eu ligava para Mariana “como foi que eu fiquei mais uma semana? Fiz um prato bom, gostaram…não sei o que”. Eu não acreditava, essa coisa do a gente acreditar mais em si porque eu acho que enquanto mulheres também a gente tem essa síndrome do impostor ainda mais forte.

Todo mundo, todos os homens têm mas a gente… eu tava conversando com uma amiga,  que quanto mais o tempo passa só aumenta a síndrome do impostor. Cara eu já tô ficando aqui mais alta, já tô acreditando mais então a queda vai ser maior. Vão descobrir hoje que eu não sou boa, vou descobrir hoje que eu não sei cozinhar. Então, olha, não é mais aquela Giovana de um ano de cozinha já de 9 anos. Então a gente tá sempre…

E o homem não, ele se joga mais, ele assume mais, porque ele foi ele teve que se jogar muito na vida, eu falo muito assim, a gente terceirizou até a paquera, de dar o primeiro passo. Então ele começa aí com 13, 14 anos nesse approach da menina e isso já traz uma confiança de levar um não e depois sair e tentar de novo com outra menina e levar outro não, mas ele não desiste… e vai para uma outra menina.

Então a gente não tem isso infelizmente.

Mari: A gente tem que esperar ser convidada…

Gi: E por que, né? Vá convidar o cara, chamar ele para sair, poxa. Eu acho isso muito maravilhoso. Eu lembro até quando a gente foi morar junto e foi casar fui eu que pedi formalmente assim, já tinha acontecido eu ajoelhei e disse “Carlos, você quer casar comigo?” Porque poxa, qual o problema? A gente problematiza demais e acho que isso tolhe um pouco o nosso desenvolvimento da nossa auto-confiança.

Mari: Eu só tenho a agradecer esse papo maravilhoso que a gente teve agora.

Ro: Muito!

Mari: Tem uma frase que é super manjada aí, que é “quem vê close não vê corre”. Eu sei que é cliché, mas eu com vendo de perto vejo exatamente isso, essa batalha que é, esse esforço gigante, essas vozes internas que a gente fica questionando… Para mim é um orgulho gigantesco ter a Giovana como irmã, ter a Giovana aqui hoje conversando e dividindo um pouquinho a visão de mundo dela que eu admiro demais e sempre que eu falo com ela eu aprendo um pouquinho mais. E assim, fiquei super feliz, eu acho que – de novo – esses espaços são necessários para a gente discutir, conversar e parar de problematizar, mudar de opinião.

Eu lembro que eu me cobrava muitas vezes de falar “não, mas eu acredito nisso.” E aí vinha uma pessoa com uma coisa que fazia, poxa, sabe quando cai a ficha, mudava de opinião e tudo bem, e tudo bem! A gente não é aquilo, a gente pode mudar e melhorar e discutir.

Então Jó, mais uma vez muito obrigada por essa conversa que foi riquíssima, maravilhosa e eu acho que a gente tem aí várias outras oportunidades de conversar sobre vários outros assuntos, porque hoje foi assim só um pedacinho.

Ro: Sim, e obrigada também pela generosidade de compartilhar isso com a gente, a Mari já faz parte do seu dia a dia, mas com todo mundo que pode ouvir, e o quão importante mesmo que é trazer essa reflexão e outros pontos de vista, de outros lugares, porque a gente não tá na cozinha e é uma área que para mim é completamente desconhecida. E aí conhecer um pouco da realidade é o que ajuda a gente se desconstruir mesmo e a refletir e a gente está num período de desconstrução, que a gente tá começando a refletir, observar as coisas e entender a realidade. Então também só tenho que agradecer muito,  muito mesmo. Adorei te conhecer e adorei a conversa.

E se você também quiser aproveitar e deixar suas redes sociais para as pessoas te seguirem, quem não consegue ainda…

Eu quero agradecer muito, falo muito… esse é um problema que estou aí na luta para falar menos, é que quando é um assunto eu gosto eu saio falando.

Roberta, obrigada, um prazer conhecer você e que essas iniciativas só aumentem, que a Ô Dona sirva de inspiração para outras mulheres fazerem o que elas quiserem, pode ser podcast, pode ser Instagram, várias ferramentas que existem hoje, né…

Mari, obrigada, você sabe o quanto eu sou fã de você, seu trabalho, da capacidade intelectual e emocional de ver as coisas de uma outra forma, com mais clareza. Estou tentando aí mudar, eu sou muito da resposta logo… que a gente possa ser mais dona de nós mesmas, isso é, achei muito bonita a escolha do nome, e que a gente possa ser dona de coisas também, que a gente não se sinta culpada de ser dona das coisas e protagonista também.

E quem se assuste com isso é porque não é para tá do nosso lado, que venham pessoas, mulheres, homens seja quem for, que celebre conosco os nossos ganhos e as nossas conquistas. Agradeço a todo mundo, e meu Instagram é gi.nacarato.  No Instagram vai ter muita comida, não tem posts diários, não vai ser talvez o Instagram da blogueira sempre assim… eu gosto de compartilhar muito as coisas que eu vejo, que eu gosto, que faz sentido para mim. Também hoje até postei que a gente tem que normalizar o sumiço digital porque nem sempre as coisas estão bem do lado de cá, não sou uma influencer que vive de produção de conteúdo, então não tem sempre conteúdo… mas de vez em quando tem aí algumas coisinhas. Respondo todo mundo que manda mensagem, acho ótimo porque  para mim aí para mim o Instagram é conhecer pessoas, eu sou amiga de gente que eu nem conheço, acho isso ótimo.

Tem o meu site também que ginacarato.com.br lá você vai mandar e-mail fala um pouco sobre mim, se alguém quiser me contactar de outra forma, mandar jobs, cozinham… podem mandar aí para gente pagar os boletos, que esse ano tem vários boletos aí chegando.

Ro: Sim, então sigam a Giovana, entrem no site dela, mandem jobs para ela e sigam a Ô Dona também…e é isso, muito obrigada mesmo.

Gi; Obrigada!

Mari: Obrigada! 

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queer

Dona Jana é executiva de software com mais de 10 anos de experiência em empresas de tecnologia de estágio inicial a intermediário, incluindo gerenciamento geral, liderança em go-to-market e operações internacionais. Atualmente trabalha como presidente da empresa Odona, uma empresa focada em trazer diversidade para o mercado de trabalho brasileiro. Tem paixão por promover uma cultura inspiradora impulsionada por uma mentalidade de pessoas em primeiro lugar, com o objetivo final de fornecer uma experiência de classe mundial para funcionários e clientes. Estou dedicada a investir no crescimento de outras pessoas, operando com integridade e aproveitando a jornada!

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